Conciliação e mediação têm perspectivas ainda melhores após excelente ano
Um dos maiores méritos do programa Justiça em Números, do Conselho Nacional de Justiça, foi dimensionar o crescente déficit operacional do sistema de Justiça. Como indicado anteriormente, desde a criação do Movimento pela Conciliação em 2006, progressivamente a cultura jurídica vem sendo modificada para a alteração de uma cultura de litígio para uma abordagem de solução satisfatória como real significado de acesso à Justiça. Diante do volume de feitos a serem resolvidos passa-se a também examinar outras formas possíveis de resolução dessas disputas. Assim, nota-se crescente prestígio de abordagens pluralistas à atuação do Poder Judiciário.
As abordagens monistas ou “singularistas” sustentavam que, para cada conflito de interesse, só pode haver uma única solução correta — a decorrente da aplicação da norma positivada pelo(s) magistrado(s) — que, exaurido o grau recursal, torna-se a “verdadeira solução” para o caso. A noção de que um conflito deve ser resolvido somente por uma decisão imposta pelo magistrado claramente está ultrapassada. Pelo pluralismo pode-se sustentar que um mesmo conflito pode possuir distintas soluções igualmente corretas dependendo de orientações pessoais dos próprios envolvidos.
Há manifestações dentro do próprio Poder Judiciário, como será examinado a seguir com a Recomendação 50/2014 do CNJ, tendendo a uma visão de Estado que oriente as partes para que resolvam de forma mais consensual e amigável seus próprios conflitos e, apenas excepcionalmente, como última hipótese, se decidirá em substituição às partes. Nota-se a existência de políticas públicas que buscam emancipar a atuação do cidadão diante do sistema de Justiça por intermédio de um modelo de Justiça consensual. Com isso, nota-se o acolhimento de abordagens mais pluralistas na cultura jurídica Brasileira.
Merece registro que a expressão “pluralismo jurídico” designa a existência simultânea e em um mesmo ambiente de mais de um conjunto articulado de regras, princípios e instituições com base nos quais a ordem social é construída e transformada[1].
O ano de 2014, no âmbito da mediação judicial e da conciliação, foi marcado pela incorporação dessa abordagem de inspirações pluralistas. Merecem destaque os seguintes fatos: i) a aprovação, no Congresso, do projeto de novo Código de Processo Civil; ii) a recomendação pelo Conselho Nacional de Justiça para que magistrados encaminhem feitos à mediação privada; iii) a continuação da formação de instrutores em mediação judicial e conciliação pelo CNJ; iv) o estabelecimento pelo CNJ de meta para consolidação de meios consensuais no Poder Judiciário e v) a apresentação de substitutivo na Câmara dos Deputados ao projeto de Lei de Mediação oriundo do Senado.
Novo CPC
A conciliação e a mediação devem ser adotadas como meio adequado prioritário na tentativa de resolução pacífica de demandas jurídicas de natureza civil. Pelo texto do novo Código de Processo Civil, aprovado pelo Senado no dia 17 de dezembro, os tribunais criarão centros judiciários de solução consensual de conflitos.
Ratificou-se uma orientação já existente na Resolução 125/10 do CNJ e apresentaram-se algumas melhorias significativas com proteções pertinentes aos procedimentos consensuais, como a confidencialidade e o cadastro de conciliadores e mediadores com mensuração de dados estatísticos quanto à sua atuação.
Pela última redação do novo CPC, coexistirão conciliações e mediações judiciais, voluntárias e remuneradas, realizadas nas próprias dependências dos fóruns como realizadas em escritórios (e câmaras) privadas, restando todos estes autocompositores definidos como auxiliares da Justiça.
Mediação privada
Em preparação ao novo Código de Processo Civil, o Conselho Nacional de Justiça aprovou uma recomendação, em maio deste ano, para que tribunais adotem algumas práticas modernas de apoio aos meios consensuais de resolução de disputas. Entre estas práticas destacam-se: i) o acompanhamento da satisfação dos jurisdicionados em relação aos encaminhamentos feitos pelos mediadores em conflitos, de preferência com a aplicação de formulários de qualidade; e ii) o encaminhamento por juízes de feitos para mediadores (privados) sempre que possível, tratando esse facilitador como auxiliar da Justiça e esclarecendo o cabimento de fixação de honorários para tanto. De igual forma, a recomendação também estabelece como oportuna a organização pelos tribunais de estágios supervisionados visando melhorar o nível dos conciliadores e mediadores que atuam nas unidades jurisdicionais e nos Centros Judiciários de Solução de Conflitos.
Finalmente, a Recomendação 50/14 do CNJ também urge os tribunais a adotarem oficinas de parentalidade como política pública na resolução e prevenção de conflitos familiares nos termos dos vídeos e das apresentações disponibilizados no Portal da Conciliação do CNJ.
Formação de instrutores
Continuam os esforços pelo CNJ de aumentar o número de instrutores em mediação e conciliação no país. A lógica é simples: sem um número razoável de instrutores de mediação não se formarão mediadores suficientes para atender a demanda do novo Código de Processo Civil e do projeto de Lei de Mediação que se encontra perto de aprovação final. Considerando a crescente demanda de mediadores judiciais, e a perspectiva de que esta demanda crescerá exponencialmente nos próximos anos, o conselho ofereceu treinamento em pedagogia de mediação para 425 instrutores, visando a formação de efetivos facilitadores que desempenhem suas funções satisfatoriamente para a população.
Como mencionado em outra oportunidade, as aulas têm sido ministradas para servidores dos tribunais de Justiça e voluntários, com a condição de já possuírem ampla experiência em mediação. Os novos instrutores, para receber seus certificados, devem lecionar cinco cursos básicos de mediação — sem custo aos tribunais ou aos participantes — e são também avaliados pelos seus próprios alunos. Nesses cursos, parte-se da premissa de que é possível uma abordagem mais pluralista dentro do próprio Poder Judiciário, ou seja: podem existir diversas respostas concomitantemente corretas (e legítimas) para uma mesma questão levada a juízo.
Nesse contexto, cumpre às partes construírem a solução para suas próprias questões e, assim, encontrarem a resposta que melhor sejam adequadas às suas necessidades – sejam estas juridicamente tuteladas ou não. Nesses treinamentos, abandona-se a perspectiva de que, no Judiciário, as partes necessariamente são antagônicas. Adota-se a visão de que se estas se perceberem no mesmo lado buscando uma solução comum tenderão a encontrar respostas mais satisfatórias e em menor tempo.
Plano de metas
A atuação pelo Conselho Nacional de Justiça com o estabelecimento de metas, a despeito de elevada controvérsia junto a tribunais no passado, atualmente tem se mostrado como essencialmente positiva. No 8º Encontro Nacional do Poder Judiciário, realizado em Florianópolis, o ministro Ricardo Lewandowski anunciou, entre sete metas para o Poder Judiciário no ano de 2015, uma específica para a conciliação – em linhas gerais, aumentar o número de casos solucionados por conciliação. Em termos específicos, para a Justiça estadual, estabeleceu-se a diretriz de “impulsionar os trabalhos dos CEJUSCs e garantir aos estados que já o possuem que, conforme previsto na Resolução 125/2010, homologuem acordos pré-processuais e conciliações em número superior à média das sentenças homologatórias nas unidades jurisdicionais correlatas. Aos que não o possuem, a meta é a implantação de número maior do que os já existentes”.
Nova Lei de Mediação
O deputado federal Sérgio Zveiter (PSD-RJ) apresentou substitutivo ao projeto de Lei de Mediação oriundo do Senado com importantes aperfeiçoamentos a uma proposta já bastante elogiada. As alterações reportam-se preponderantemente à harmonização da Lei de Mediação com os ditames do novo Código de Processo Civil. O projeto de lei de mediação foi aprovado neste ano no Senado, e em dezembro foi apresentado parecer do relator. Esse projeto reflete um movimento pela consensualização da Justiça, adotado por advogados e magistrados desde a década de 1990.
Como claramente indicado pelo ministro Lewandowski no seu discurso de posse como presidente do Supremo Tribunal Federal, as formas consensuais de solução de conflitos são prioritárias para equilíbrio do déficit operacional que assola o Poder Judiciário. Em 2014 notou-se envolvimento da OAB, do CNJ, da Defensoria Pública, do Ministério Público e do Ministério da Justiça em antecipação às alterações legislativas, na medida em que foram iniciadas soluções preparatórias para a reforma do CPC e a Lei de Mediação.
Diante da abordagem mais pluralista percebida no ano passado, não há como deixar de concluir que, para a conciliação e mediação judicial, 2014 foi um excelente ano, com tendência de alta. Que 2015 permita a continuação desse movimento de valorização do usuário do sistema de justiça!