Conciliação nem sempre é legal, e resultado pode ser insatisfatório às partes
“Conciliar, bom para todos, melhor para você”. A frase, retirada de campanha do Conselho Nacional de Justiça realizada no ano de 2014[1], parece demonstrar com exatidão a atual euforia, por assim dizer, com a utilização de métodos autocompositivos de solução de controvérsias. Há o risco, todavia, de que em certas situações o desejo tenha maior relação com o interesse no desafogamento do Judiciário do que com a possibilidade de pacificação com justiça.
Até por isso, a afirmação do Conselho Nacional de Justiça merece reparos. A autocomposição, pura e simplesmente pela autocomposição, representa solução que merece ser vista com certo cuidado. Fazer acordos pode ser “bom para todos” no momento em que garantido ao jurisdicionado, na maior amplitude possível, o bem da vida a que tem direito.
É inegável que as relações interpessoais e, por consequência, as controvérsias delas advindas, não têm como pressuposto uma solução condicionada ao método da adjudicação judicial. A afirmação, por mais permeada de obviedade que seja, parece ter de ser relembrada, de tempos em tempos, para que se atente à existência de vias não propriamente alternativas, mas sim adequadas à composição de litígios.
O Novo CPC privilegia a obtenção de soluções consensuais, desvinculadas, ao menos diretamente, de uma decisão impositiva, realizada por terceiro. Um exemplo é a redação de seu artigo 3°, que, ao mesmo tempo em que garante a inafastabilidade da prestação jurisdicional, destaca a conciliação como um dos métodos adequados para a solução de controvérsias. Isso não significa que a necessidade de se garantir a concretização do direito material naquela caso deva ser menosprezada. Muito pelo contrário, aliás.
Toda solução construída com fundamento em regramento de direito processual deve garantir, na maior amplitude possível, a aplicação do direito objetivo, garantindo à parte a obtenção efetiva do bem da vida a que faz jus. É de suma importância, por exemplo, que as partes possam fundamentar suas escolhas em critérios aptos a possibilitar a obtenção, se não exatamente de tudo aquilo, do máximo possível a que têm direito e, ao mesmo tempo, alcançar a pacificação da relação então conflituosa de modo célere e efetivo.
Um dos métodos que privilegiam a construção de soluções autocompositivas seguras, por assim dizer, é a antecipação do momento de obtenção da prova, mesmo sem o requisito da urgência, medida prevista no artigo 378, II, do Novo CPC, expressamente para os casos em que se mostre possível a obtenção de soluções consensuais. A autocomposição, quando alcançada anteriormente à obtenção, pelas partes, de informações necessárias a respeito da situação conflituosa, pode ensejar a formalização de acordos deletérios aos escopos do processo e da atividade jurisdicional. Por outro lado, quando obtido com fundamento em informações prévias e suficientes, o acordo pode conferir às partes a aplicação do direito objetivo do exato mesmo modo que uma solução adjudicada, ou até de maneira mais efetiva. Isso porque é no mínimo provável que tal solução, por ter sido alcançada exclusivamente pelos próprios titulares do conflito, detenha maior possibilidade de efetivamente extinguir o conflito constituído entre as partes.
É possível, e nem mesmo seria adequado defender o contrário, o alcance de uma relação de consonância, e não de conflito, entre os fins do processo e a construção de soluções consensuais. Conciliar, portanto, nem sempre é legal, mas pode vir a ser.
Logicamente que tanto a solução autocompositiva quanto a solução adjudicada podem se mostrar inadequadas quando não respeitado o componente ético, retirado da própria exigência dos deveres de veracidade e lealdade processual. Negligenciar o respeito a tais imperativos poderá representar, na maioria dos casos, a falência da pacificação com justiça, seja pelo alcance de uma solução intrapartes, seja por intermédio da adjudicação judicial.
[1] http://www.cnj.jus.br/programas-de-a-a-z/acesso-a-justica/conciliacao, acesso em 12.01.2014.